Um pouco da vida de Ivan Illich
Ivan
Illich nasceu em Viena, no dia 4 de setembro de 1926. Viveu com seu avô até
1941, sempre em Viena. Neste ano, foi considerado pelas leis nazistas como
meio-judeu. Assim, aos 15 anos, chegou fugitivo na Itália, onde passou o resto
da sua juventude, radicado em Florença e Roma. Estudou ciências naturais,
especializando-se em química inorgânica na Universidade de Florença(1942-45) e
na Universidade de Roma (1945-1947).
De 1944 a 1947, estudou apaixonadamente Filosofia, obtendo a menção summa cum
laude, e de 1947 a 1951, Teologia (cum laudem) na Universidade Gregoriana, de
Roma. Nesta época descobriu e lhe impactou o estudo de Jacques Maritain.
Posteriormente obteve o doutorado em História (magna cum laude) na Universidade
de Salzbug. Sua tese versou sobre as dependências filosóficas e metodológicas
de Arnold Toynbee. Pouco depois iniciou, na Universidade de Princeton, um
pós-doutorado sobre o macro-microcosmos em Alberto Magno e seus discípulos.
No início da década de 1950, já ordenado padre católico, foi convidado para
seguir a carreira diplomática no Vaticano. Em 1951, foi para os Estados Unidos
como padre trabalhar numa paróquia, em Nova Iorque. Em Manhattan, dirigiu um
centro onde eram atendidos os imigrantes de Porto Rico. Lutou ardorosamente na
defesa dos porto-riquenhos que eram desprezados pelos imigrantes italianos,
irlandeses e judeus. Ele desafiou a todos, aceitando como seus paroquianos
estes imigrantes. Para Illich esta luta terminou quando, em 1956, o cardeal de
Nova Iorque, em presença de trinta mil porto-riquenhos, reunidos na
Universidade de Fordham, festejaram o santo padroeiro de Porto Rico, São João.
Em 1956, foi enviado a Porto Rico como vice-reitor da Universidade Católica de
Ponce. Sua principal tarefa consistia em ensinar os religiosos dos EUA e Canadá
a falar castelhano e se aproximar da cultura hispânica.
Em 1960, discordou publicamente do bispo local, que condenou o governador
local, pois o último se declarara a favor de uma política de controle da
natalidade auspiciada pelo Estado.
Saindo de Porto Rico, Illich foi convidado a trabalhar na Universidade de
Fordham, em Nova Iorque. Nesta universidade jesuíta, ele fundou o Centro de
Formação Intercultural - CIF enquanto trabalhava como pesquisador e professor
do Departamento de Sociologia. O CIF tinha o objetivo de capacitar os
missionários norte-americanos, não somente a falar o espanhol, mas a entender e
respeitar as culturas dos países latino-americanos.
Em 1961, Illich decidiu se mudar para Cuernavaca no México, onde, juntamente
com outras pessoas, fundou o Centro Intercultural de Documentação – CIDOC.
Neste centro, se discutia apaixonadamente sobre a missão da Igreja na América
Latina. A Illich lhe parecia evidente que a aliança ente a Igreja e o nascente
culto do desenvolvimento era uma arapuca. Vivia-se o tempo da “Aliança para o
Progresso”, proposta do governo norte-americano para a América Latina.
Para ele, o próprio desenvolvimento era uma calamidade. Uma calamidade que
provocava males a milhões de pessoas. Assim o CIDOC se transformou num espaço
importante para as discussões a respeito da América Latina e o desenvolvimento.
Erich Fromm, Peter Berger, Paulo Freire, o bispo Sérgio Méndez Arceo eram,
entre outras, personalidades que freqüentavam periodicamente o centro. Em 1974,
Boaventura de Souza Santos coordenou, no CIDOC, o seminário sobre Direito e
Revolução Social.
Destas discussões surgiu a publicação dos Cadernos do CIDOC. De maneira ágil e
independente, os cadernos suscitavam debates e seminários que se espraiavam
pela América Latina. Muitos destes cadernos se transformaram em livros que
marcaram a década de 1970: A sociedade sem escola, A convivencialidade, Energia
e eqüidade, Desemprego criador, etc. Nesta época, Illich passou a criticar
severamente a Igreja Católica. Numa conferência, comparou a Igreja à Ford Motor
Company, acusando-a de não ser mais que uma outra burocracia que promovia o veneno
chamado modernidade ou desenvolvimento.
Em 1967, a Igreja censurou publicamente o CIDOC. Illich decidiu deixar o
sacerdócio. O CIDOC se manteve até 1976 quando Illich, voluntariamente, decidiu
fechá-lo. Pois, todas as pessoas que freqüentavam o centro, voltando para os
países latino-americanos de origem, eram presos, fichados, perseguidos.
Freqüentar o CIDOC tornara-se perigoso.
É da época do CIDOC a realização dos famosos e acalorados debates entre Paulo
Freire e Ivan Illich sobre educação, escolarização e conscientização.
Os famosos textos, A escola, esta velha e gorda vaca sagrada: na América Latina
ela abre um abismo de classes e prepara uma elite e com ela o fascismo, de 1968
e En América Latina, para qué sirve la escuela?, de 1973, originam o importante
livro A Sociedade sem escola, primeiramente publicado em inglês e, em 1973, em
espanhol. Para Illich era necessário desescolarizar, não somente as
instituições do saber, mas também a sociedade.
Outras obras importantes de Illich são La convivencialidad, 1974;. Energia y
equidad Desempleo creador, 1974; Némesis Médica: la expropriación de la salud,
de 1975. Sobre este último livro, no British Medical Journal, de 13-4-2002, o
seu diretor, Richard Smith, conta que o mais próximo de uma experiência
religiosa que teve em sua vida foi quando ouviu, recém-formado, em 1976, Ivan
Illich expor suas radicais idéias sobre saúde e medicina, rodeado dos “fósseis
da hierarquia acadêmica de Edimburgo”. Illich argumentava, então, que a “a
maior ameaça para a saúde no mundo era a medicina moderna”. Para Richard Smith,
Némesis médica: a expropriação da saúde é um clássico da medicina. Neste livro,
Illich alerta sobre as três modalidades de iatrogenia médica: a clínica (o dano
provocado pelos tratamentos), a social (resultante da medicalização de muitos
aspectos da vida, como o nascimento, o sexo ou a morte) e o cultural, o mais
perverso, porque destrói as vias tradicionais de enfrentar a dor e a doença.
Que o establishment médico comungue agora com Illich indica que, 26 anos
depois, algo se move na medicina, afirma o diretor do British Medical Journal.
No Brasil, este livro de Ivan Illich foi analisado pela tese de doutorado A
Saúde pelo Avesso - Uma Reinterpretação de Ivan Illich, o Profeta da Autonomia,
IMS/UERJ (Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro), 1998, de Roberto Passos Nogueira
Ivan Illich, 76 anos, faleceu no dia 2 de dezembro de 2002,
segunda-feira, em Bremmen, na Alemanha. Ivan Illich, padre, teólogo, sociólogo,
histórico heterodoxo, pensador radical, é considerado, juntamente com Marcuse,
Fromm e outros expoentes da Escola de Frankfurt, como um precursor do movimento
antiglobalização. Ivan Illich morreu acometido de um câncer que se recusou a
tratar.